Opinião
Título brasileiro definido por saldo? Acredite, pode ser até em sorteio. Caberia uma final…

Imagem: CBF/reprodução
A apertada classificação da Série A de 2023, com os principais candidatos empatados na reta final, levou à reflexão sobre uma revisão na regra do desempate
Independentemente do desfecho, o Campeonato Brasileiro de 2023 já pode ser analisado como um das maiores da história, tanto pelos estádios lotados, com a média de público de 26 mil torcedores sendo a maior até hoje, quanto pelas disputas acirradíssimas. Na busca pelo título e fuga do rebaixamento. Neste texto, o meu foco é na corrida pela taça, que apresentou um cenário incrível após a 35ª rodada. Mesmo com a competição já no finzinho, restando apenas três rodadas, a classificação apontava Palmeiras e Flamengo empatados lá no alto, com 63 pontos e 18 vitórias, cada um.
O regulamento oficial da Série A prevê sete critérios de desempate após a igualdade na pontuação. No caso, o alviverde paulista ficou à frente pelo saldo de gols. Tinha +26, contra +17 do Fla. Em tempo: os critérios no documento de 2023 são os seguintes, nesta ordem: 1) mais vitórias, 2) maior saldo, 3) mais gols marcados, 4) confronto direito, 5) menos cartões vermelhos, 6) menos cartões amarelos e 7) sorteio. Sim, em último caso, a partir de uma igualdade daquelas, o título do Brasileirão pode ser definido num sorteio público, com um globo girando as bolinhas dos times envolvidos.
Já houve “empate” na Série B
Na prática, o “bingo” não deverá acontecer na primeira divisão, mas a possibilidade de igualdade em saldo e na quantidade gols marcados não é desprezível. Longe disso. Neste caso, isso representaria um empate em todos os números de uma classificação tradicional em sites especializados. Na minha visão, a quase paridade entre Palmeiras e Flamengo já expõe uma falha dentro de uma lógica esportiva para definir um campeão, para definir o melhor time. Ainda que esses critérios sejam válidos para a separação de todas as posições na tabela, do 1º ao 20º colocado, a disputa pelo título poderia ter uma norma à parte – podendo valer também sobre o Z4, diga-se. E isso não seria mais jabuticaba brasileira.
Neste tema específico, outros campeonatos nacionais de peso já adotam isso. Como exemplo, Argentina e Itália. Em ambos os casos basta a simples igualdade na pontuação final dos líderes, desconsiderando saldo e número de vitórias. No Brasileirão, considerando o recorte dos pontos corridos, de 2003 a 2022, nenhuma edição terminou com pontuação idêntica. Porém, isso já aconteceu na Série B. Em 2020, Chapecoense e América Mineiro terminaram com 73 pontos e 20 vitórias, com a Chape levando a taça pelo saldo. Teve um golzinho a mais, com +21 vs +20. Na Argentina, o campeonato da primeira divisão já passou por isso duas vezes no Século XXI. Sem saldo nem polêmica para desempatar.
Argentinos e italianos encaram a final
A primeira vez foi em 2006. Estudiantes de La Plata e Boca Juniors terminaram o Torneio Apertura, que era o campeonato do segundo semestre, com 44 pontos. Assim, fizeram um jogo-desempate. Naquela final especial, o Estudiantes venceu por 2 x 1, num jogo realizado em campo neutro – na ocasião, na “cancha” do Vélez Sarsfield. Pouco tempo depois, novamente no Apertura, o quadro foi além. Foram três times argentinos empatados em 2008, com Boca, Tigre e San Lorenzo somando 39 pontos. Houve um triangular especial e, adivinhe, terminou empatado de novo, com uma vitória e uma derrota pra cada. O Boca Juniors ficou o título saldo de gols na fase decisiva. Caso valesse a regra brasileira, o Boca teria sido campeão em 2006 e o San Lorenzo teria levado em 2008, ambos pelo saldo.
Já na Itália a regra ainda é nova. Foi implementada na temporada 2022/2023. Um ano antes quase fez falta, com o Milan somando 86 pontos, apenas 2 a mais que a rival Internazionale, numa disputa taco a taco até o fim. Para evitar o “constrangimento”, a federação italiana estipulou o “jogo único”, com disputa de pênaltis em caso de empate na “final”. Ainda que o campeonato italiano seja jogado em pontos corridos há mais de 100 anos, foi feita uma revisão priorizando um desempate realmente balizador sobre o campeão da temporada.
Desta forma, não consigo achar este modelo menos razoável do que a possibilidade de entregar um troféu a um time com menos cartões ou a outro time cuja bolinha foi sorteada primeiro. Reforço que esses dois exemplos neste último parágrafo compõem a regra atual no Brasil e que assim seja feito enquanto seguir sendo o texto oficial no regulamento. Contudo, pensando nas edições futuras, alguém precisa levantar o dedo durante no conselho técnico do campeonato, na sede da CBF, e ao menos sugerir a alteração. O exemplo de 2023 é forte.
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