ENTREVISTA
Ex-Náutico e Santa Cruz, volante Derley afirma que futebol pernambucano precisa ter humildade para aprender

Foto: DIvulgação/CNC
Derley mostrou preocupação com cenário do futebol em Pernambuco
Identificado com o Náutico e com passagens pelo Santa Cruz, aos 37 anos, o volante Derley está morando no Recife enquanto se recupera de uma grave lesão no tendão de Aquiles. Assim, acompanhando de perto o dia a dia do futebol no estado, o jogador revelou estar preocupado com a perda de espaço de Pernambuco no cenário regional.
Em entrevista ao Click Esportivo, Derley, que também soma passagens por Internacional, clube onde foi revelado aos 22 anos, Athletico Paranaense e Fortaleza, afirma que dirigentes de clubes e da Federação Pernambucana de Futebol (FPF) precisam ter humildade de aprender com os seus “vizinhos” do Ceará.
Confira a entrevista com o volante Derley:
Derley, como você vê a situação atual do futebol pernambucano? Você acredita que o esporte vive uma crise no estado?
Eu lamento muito. Eu cheguei no futebol pernambucano em 2008 e, naquela época, era muito bem jogado, muito bem falado entre os atletas e tinha uma visão ampla para o cenário brasileiro.
Hoje, eu fico triste por o Náutico não ter conseguido o acesso na Série C e também por conta do Santa Cruz não ter subido, e ter ficado até sem calendário para o ano que vem.
Eu moro em Recife e acompanho o futebol de Pernambuco desde o dia que eu cheguei até hoje. Antes o Estado era uma potência do futebol nordestino.
Todos os jogadores queriam vir jogar aqui. Essa situação (de declínio) não vem de hoje. Não é hoje que o Santa Cruz está afundado na Série D, não é de hoje que o Náutico está na Série C e há mais de 10 anos sem jogar uma Série A.
Essa situação tem vários culpados. A primeira é a FPF, que abandonou os seus clubes. Coisa que jamais poderia ter acontecido. Em segundo lugar, as gestões dos clubes.
Gerir grandes clubes não é brincadeira. Em minha última passagem pelo Santa Cruz, tinha diretor que achava que era um parque de diversões, que podia brincar com os sentimentos do torcedor e dos atletas do clube.
O futebol é negócio sério, precisa ser gerido com seriedade e não dar a oportunidade para que qualquer pessoa chegue de paraquedas.
Essa mudança para que o futebol pernambucano possa se reestruturar precisa passar pela Federação e pela gestão dos clubes, para que se profissionalizem e, futuramente, o estado possa voltar a ter o prestígio de antes.

Derley deixou a Cobra Coral no segundo semestre de 2021 – Foto: Rafael Melo/Santa Cruz
Acho que o futebol pernambucano precisa voltar àquele elo com a Federação Pernambucana de Futebol (FPF). Esse é o princípio para Pernambuco voltar a ser protagonista no futebol nordestino.
Hoje, o estado perdeu a notoriedade no cenário nacional. Poucas pessoas costumam acompanhar o Estadual e os times passam por situações complicadas.
Não se faz futebol sem dinheiro, sem torcida no estádio e sem jogos grandes que chamem o torcedor para comprar ingressos. É preciso acender novamente o fogo das torcidas.
Quando tem um clássico entre Santa Cruz, Náutico ou Sport, parece que é um jogo comum, que dá três ou quatro mil pessoas. Antigamente, dia de clássico, a cidade parava. O torcedor sentia a ansiedade para o jogo, os atletas ficavam sem dormir pensando na partidas.
O Fortaleza, clube por onde você também passou, vive o movimento contrário de times como Santa Cruz e Náutico. A que você acha que se deve isso e o bom momento do futebol cearense?
Antigamente, Sport, Náutico e Santa Cruz eram as potências do Nordeste. Todo jogador da região sonhava em vir para um desses clubes grandes e isso era muito bom para os torcedores.
Eu tive a experiência, quando cheguei no Fortaleza, onde passei três anos e meio, e vi um clube que passou por oito anos na Série C. Hoje, em um paralelo, vemos o Santa Cruz que esteve na Série A e hoje já tá sem divisão.
Eu acho que o futebol pernambucano tem o seu vizinho aqui do lado – o futebol cearense -, que é referência nacional e até mesmo internacional por tudo que o Fortaleza tem feito.
Desde que iniciou o seu processo de reconstrução e já disputou Libertadores, Copa Sul-Americana e foi campeão da Série B logo depois de subir da Série C. Isso tudo é um clube bem gerido, com profissionais que se espelham nos melhores e se especializam.
Acho que aqui em Pernambuco se precisa ser mais humilde e ir aprender onde está dando certo. Visitar o Fortaleza, o Ceará e conversar com os gestores para entender o que aconteceu para que o estado pudesse se tornar essa potência no futebol da região e aprender.

Derley fez parte do elenco que venceu a Série B com o Leão do Pici – Foto: Leonardo Moreira/FEC
Não é demérito reconhecer o trabalho bem feito do seu vizinho e tentar aprender com ele. O Fortaleza chegou ao patamar que está hoje, mas, para isso, precisou passar por todo um processo, um planejamento e uma sequência de gestões muito bem feitas.
Eu fico muito feliz de ver o clube chegar onde chegou e temos que ter em mente que se o Fortaleza elevou o seu patamar, ele puxa os rivais para subirem com ele.
Outro ponto importante é destacar o apoio que a Federação Cearense dá aos seus clubes. Ela chega junto dos dois grandes – Fortaleza e Ceará – e até mesmo dos menores do interior. Ela contribuiu com os seus filiados, ajuda para melhorar a logística deles ao longo da temporada e isso falta aqui em Pernambuco.
A FPF não ajuda seus clubes, como já ajudou, e agora tá pensando só em si mesma. É necessário refazer esse elo. Os exemplos estão aí para serem vistos e seguidos.
No ano passado, Derley, você acertou com o Ferroviário, mas acabou nem entrando em campo devido a uma lesão. Como está a recuperação e quais os pensamentos para a sequência da carreira?
Quando eu saí do Santa Cruz, em 2021, eu tinha acertado com o Ferroviário-CE. Infelizmente, no meu quarto dia de treino, eu sofri com uma lesão no meu tendão de Aquiles do pé direito. Essa lesão tirou toda a possibilidade de eu fazer o que eu amo, que é treinar e jogar.
Eu venho sofrendo com ela há mais dois anos e eu fico muito chateado com isso. Eu sei que uma hora todo jogador vai parar. Sei que nós (atletas) temos nosso prazo de validade. Contudo, diferente de alguns companheiros de profissão, eu nunca tinha me machucado.
Eu fiquei triste, muito abalado. Acabei não vestindo a camisa do Ferroviário e nem ao menos assinando contrato com o Ferrão, pois disse ao presidente que só assinaria quando pudesse jogar e na época não podia sequer treinar.

Derley foi anunciado, mas não assinou contrato devido a lesão – Foto: Lenilson Santos/Ferroviário
Voltei para Recife, vim me cuidar aqui e mesmo assim a fisioterapia não estava adiantando. Quanto à questão de operar ainda não estava no tempo, tanto que o médico disse que não precisava abrir, pois era um desgaste que todo jogador tem.
Infelizmente, veio no tendão de Aquiles, que é uma parte que até mesmo para andar incomoda. Depois de poucos meses, a lesão piorou. Sempre que dava uma melhorada, eu ia dar uma corrida de leve, jogar um futevôlei, mas isso foi piorando a lesão.
Não chegou a romper, mas houve um desgaste e as dores pioraram bastante. Voltei para o médico, ele fez a ressonância e daí fizemos a raspagem para tirar a parte que estava muito desgastada e fortalecer o local com outro tendão para que eu pudesse voltar ao menos a correr.
Fizemos esse procedimento há quatro meses e já voltei a treinar normalmente. Essa semana devo retornar ao campo. Faz três meses que eu tenho feito minha recuperação no Náutico, estou todos os dias lá, fazendo a fisioterapia. E se tudo der certo já devo voltar a treinar de leve em campo, mas sem ansiedade para acelerar o processo.
Não posso pular etapas e com certeza devo voltar. Mas antes preciso do tempo para me readaptar, para o corpo reacostumar a correr e fazer exercícios mais intensos após quase dois anos e meio afastado.
Qual a previsão de retornar aos gramados? Já tem proposta de alguma equipe?
Com certeza, estarei de volta no início de 2024. São quase quatro meses para me recondicionar e a meta é já voltar a jogar no ano que vem. Por enquanto não (tem propostas). Estou muito tempo inativo. Tem muita gente que pensa que eu parei, mas eu nunca disse isso.
Eu vejo que não é o momento de parar. Se não fosse pela minha lesão, eu talvez estivesse jogando uma Série A ou B. Eu confio no meu trabalho, na minha capacidade e conheço meus limites. Minha pretensão é jogar até não aguentar mais. Veio a lesão, mas a minha meta é voltar a jogar em alto nível e ser o Derley que eu sempre fui.
Eu sei que um dia vai chegar a minha hora e tenho de trabalhar isso, mas no meu caso, acho que ainda tenho muita lenha para queimar. Estou quase 100% recuperado da lesão, vou conseguir confirmar isso quando me condicionar, der carga total nos exercícios e conseguir jogar uma partida.
Outro momento que muita gente lembra da tua carreira, Derley, foi o encontro com Messi, quando você jogava no futebol mexicano. Como foi a experiência de enfrentar tantos craques como tinha aquele time do Barcelona?
Eu tive muitos momentos marcantes no futebol. Ganhei muitas coisas com o futebol, no sentido de realizar sonhos. Joguei em grandes clubes do Brasil e de Pernambuco e ganhei tudo com o Fortaleza. Quando olho para trás e vejo desde quando comecei aos 22 anos, o maior momento, sem dúvida, foi esse jogo contra o Barcelona.
Eu tinha acabado de chegar no León-MEX e esse amistoso era depois de um mês. Quando eu assinei o contrato, eu ainda não sabia que tinha esse jogo marcado. Eu fiquei sabendo quando cheguei lá.
No momento, eu até pensei que era o Barcelona de Guayaquil, do Equador. Mas os dois clubes possuem uma longa parceria, tanto que o nome do estádio do León também é Camp Nou e tinham marcado esse jogo.
Quando fiquei sabendo, perguntei se ia jogar todo mundo e eles me disseram que iam todos os atletas para o amistoso. Isso fez com que eu trabalhasse o dobro para ter a oportunidade. E eu consegui.
Para mim, é o ápice da minha carreira. Jogar contra Messi, Iniesta, Xavi, Busquets, Neymar – contra quem eu já tinha jogado no Brasil -, que tava começando aquele momento especial da carreira dele.
Esses caras revolucionaram o futebol mundial com o Barcelona. Eu ficava sem acreditar.
O Camp Nou lotado com 90 mil torcedores e no dia da apresentação do (Luís) Suárez e do (Ivan) Rakitic. Naquele momento, eu pensei: ‘poxa, agora eu me sinto jogador de verdade’ (risos). Por tudo que eu passei no futebol brasileiro, esse jogo não sai da minha memória.
Acabou 6 x 0 para eles e pouco interessava o resultado para nós. Viver aquele momento foi único. Poder tocar nos caras, fazer uma falta no Messi e ganhar a camisa do Neymar e tirar a foto com todo mundo do Barcelona, é um momento que todo jogador sonha.
Chegar tão perto de ídolos como esses que revolucionaram o futebol mundial é algo que jamais vou esquecer.