Vela

Lars Grael vê Brasil “apostando tudo em um barco só” na vela olímpica e exalta movimento paralímpico

<p>Arquivo Pessoal</p>

Arquivo Pessoal

Duas vezes medalhista olímpico, velejador tratou paradesporto como “consolidado” no país

A vela brasileira vive um momento diferente depois da geração vitoriosa de Lars e Torben Grael e Robert Scheidt. A análise é do próprio Lars Grael, que vê o país em um momento de renovação, apostando em apenas um favoritismo na vela olímpica. O velejador, medalhista de bronze em Seul 1988 e Barcelona 1992, também falou sobre o trabalho de formação de novos velejadores e sobre o movimento paralímpico brasileiro, em tempos de Parapan-Americano.

Lars Grael é um dos maiores nomes do iatismo brasileiro. Além das duas medalhas olímpicas, ele foi campeão mundial na classe Snipe, em 1983, e na Star, em 2015 – 32 anos depois. O paulista de 59 anos é uma pessoa com deficiência desde 1998, quando perdeu a perna direita em um acidente com uma lancha durante uma regata em Vitória. Com adaptações, ele retornou ao esporte no ano seguinte, para mais 20 anos de carreira, saindo das disputas internacionais em 2019.

A vela em Paris 2024

Na última quarta-feira (22), Lars Grael falou com o Click Esportivo durante o Fórum Estadual de Formação Esportiva, realizado pelo Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), no Recife. Apesar do bom resultado da vela brasileira no Pan-Americano, com três ouros e três bronzes, o velejador não viu a situação como um grande otimismo para Paris 2024.

“As categorias dos Jogos Pan-Americanos, em várias, diferem das classes olímpicas. Eu acho que a vela no Brasil está num momento de renovação e é importante trazer novas gerações. Em termos de probabilidade ou chance de favoritismo de medalha, nós depositamos esse favoritismo num único barco: no 49erFX, com Martine Grael e Kahena Kunze“.

Martine Grael e Kahena Kunze, da vela, com bandeira do Brasil nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020

Martine e Kahena são atuais bicampeãs olímpicas e chegam como favoritas em Paris – Wander Roberto/COB

Campeãs no Rio e em Tóquio, Kahena e Martine (sobrinha de Lars Grael) sonham com um tricampeonato olímpico, inédito tanto na vela feminina mundial, quanto no esporte brasileiro como um todo. Apesar do favoritismo, Lars Grael alerta: “É um risco, porque é um esporte que lida com variáveis não controláveis (clima). Pode acontecer de elas não estarem na melhor semana, nas melhores condições. Então, é preocupante é que em termos de favoritismo, a vela está apostando tudo em só um barco“.

Além da dupla do 49erFX, o Brasil já tem outros nomes confirmados em Paris 2024, como Bruno Lobo (fórmula kite) e Mateus Isaac (IQFoil). Para Lars Grael, há nomes que podem brigar por medalha. “Outras classes tem bons velejadores que estão se credenciando para disputar medalha, mas não são ainda favoritos”. E isso, na visão dele, ressalta a necessidade de um trabalho de renovação.

“Um trabalho de renovação é muito importante na vela. No passado, nós tivemos a coincidência de ter numa mesma Olimpíada, Torben Grael com Marcelo Ferreira, Robert Scheidt com Bruno Prada, eu com o Clínio (de Freitas) ou com o Kiko Pelicano. Era uma coincidência, tinham vários barcos disputando medalha com certo favoritismo. Isso a gente não tem mais. Então, acho que acende uma luz amarela, que é necessária a renovação”.

O trabalho de formação

Para construir essa renovação, Lars Grael reforçou a importância de um trabalho de base a partir dos clubes. “87% a 88% da equipe Pan-Americana e Olímpica é de atletas formados ou apoiados pelos clubes. O que deixa claro que a matriz esportiva brasileira é dos clubes. Isso não desmerece o papel do esporte na escola, que precisa ser fortalecido, valorizado o profissional de educação física. O papel das Forças Armadas, pelo seu programa olímpico, as associações, as entidades”.

Ele continuou: “Na vela, 100% dos atletas são apoiados pelos clubes. Então, essa relação entre clubes e CBC é muito importante. Quando o CBC ainda era a Confederação Brasileira de Clubes (hoje é Comitê), o primeiro clube que entrou, apoiou e acreditou foi o Iate Clube de Brasília. Hoje, você tem cerca de quinze clubes no Brasil que estão se beneficiando desses recursos”.

Lars Grael exaltou o trabalho de formação realizado no país, mas lembrou que a vela tem fama de “esporte de bacana”, se referindo a imagem elitizada do iatismo no Brasil. Assim, ele reforçou a importância de projetos sociais que trazem jovens de classes menos abastadas para o esporte. É o caso, inclusive, do Projeto Grael, que ele fundou em Niterói, junto ao irmão Torben. Foi desse trabalho que surgiu Samuel Gonçalves, inclusive, campeão mundial ao seu lado na Star, em 2015.

Assim, ele reforçou a importância de encontros como o que participou no Recife, para debater o trabalho de formação nos clubes esportivos Brasil afora. “Um evento de integração, que envolve o CBC, os clubes, o Governo Estadual, pela Secretaria de Esportes, gestores municipais e gestores de clubes, promovem uma integração e um melhor conhecimento para se entender oportunidades onde um pode apoiar o outro”.

André Heller, Lars Grael e Emanuel Rego em evento do Comitê Brasileiro de Clubes

Lars Grael (C), esteve com campeões olímpicos André Heller (E) e Emanuel Rego (D) em evento do CBC – Josimar Oliveira/CBC

Lars Grael e o paradesporto brasileiro

Após perder a perna direita, em 1998, Lars Grael se sentiu desiludido, mas reencontrou seu rumo após conhecer a então enfermeira-chefe do Hospital Albert Einstein, Cláudia Perini. Amputada de uma perna, assim como ele, ela chegou ao que o paulista tratou como “pico da sua carreira” e ainda praticava esportes radicais.

Ele, por sua vez, também retornou ao esporte, após o acidente, mas nunca atuou diretamente no movimento paralímpico, competindo e se tornando campeão mundial no esporte convencional. Ainda assim, Lars Grael levanta a bandeira do paradesporto e lembra da importância do trabalho de inclusão da pessoa com deficiência no esporte.

“Sempre pode melhorar. A gente pode aumentar a abrangência, de ter mais pessoas com deficiência com acesso a um profissional de educação física especializado no assunto, para que possa apresentar o caminho da eficiência física através do esporte. Então, eu acho que o rumo do esporte paralímpico no Brasil é bom. Merece apoio, merece acreditar cada vez mais, porque o Brasil é referência internacional no assunto”.

Em meio às disputas do Parapan-Americano, que vão até o próximo domingo (26), em Santiago, o velejador comemorou o trabalho que é feito há muito tempo no país. “Em todo o continente das Américas, o Brasil está na vanguarda do movimento paralímpico. Ele surgiu no Brasil nos anos 1950, através de idealistas, profissionais de educação física ou de medicina, que achavam que tinha no paradesporto uma forma de reabilitação física e psicológica”.

Lars Grael lembrou de etapas importantes dessa consolidação do paradesporto, como a criação do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), em 1995, e a campanha de Sidney 2000, na qual o país não conseguiu nenhuma medalha de ouro na Olimpíada, mas saiu com seis ouros na disputa paralímpica, saindo “do subterrâneo do esporte para ganhar visibilidade, conhecimento e admiração”.

Assim, ele celebrou o momento atual e os resultados recentes. “Está consolidado, basta ver a liderança ampla que o Brasil tem no quadro de medalhas do Parapan-Americano de Santiago, repetindo o feito dos outros Parapans – não é um fato novo. O Brasil, hoje, ao contrário do olímpico, que busca entrar entre as 10 maiores potências, no paralímpico já está e busca crescer nesse quadro de medalhas. O trabalho do Brasil é sério, bem-feito”.