OPINIÃO
O “não” do Bahia e os novos tempos no futebol brasileiro
Na última semana uma notícia causou ondas diferentes de surpresas no país. O Bahia recusou uma proposta de R$ 32 milhões do Palmeiras pelo meia Cauly – referencial técnico do time que conseguiu evitar o rebaixamento com dose considerável de drama na última rodada do Brasileiro.
O valor oferecido pelo Palmeiras seria a maior negociação da história de um clube do Nordeste. E mais que o dobro das duas maiores vendas já realizadas pelo Bahia – que recebeu R$ 15,7 milhões do Inter de Miami (EUA) pelo volante Gregory em 2021; e R$ 14,5 milhões do próprio Palmeiras pelo meia Zé Rafael em 2018. É esta negociação que serve como parâmetro para analisar o cenário de 2023.
Ou melhor, para deixar claro que os velhos parâmetros caíram por terra. E o mercado do futebol brasileiro precisará rapidamente entender e se adequar à nova realidade – que não apenas diminuirá o poder econômico entre os clubes (que seguirá existindo e sendo relevante e decisivo), mas principalmente permitirá um mínimo de proteção de mercado.
A valorização de Cauly
Há 5 anos era inimaginável o Bahia recusar uma proposta de R$ 32 milhões por um jogador de 28 anos e carreira discreta até então. Considerado um jovem de enorme potencial, Cauly não conseguiu fazer sua carreira seguir sequer próxima da expectativa criada. Sem histórico no futebol brasileiro, com passagem discreta em vários clubes da Alemanha e que estava no pequeno Ludogorets, da Bulgária, que muitas vezes parece funcionar como um “depósito” de atletas brasileiros na Europa. O Grupo City pagou R$ 13,8 milhões para “resgatá-lo” da Europa e devolver ao futebol nacional.
Ou seja, por mais qualidade que Cauly tenha e demonstrou nesta Série A, está longe de ser um “diamante” do Bahia. Não é novo para ter uma supervalorização, não tem história no clube, não foi formado nas categorias de base. É, sim, um ótimo jogador. Foi decisivo demais nos jogos que garantiram a permanência do tricolor e a tendência é que seja o ponto central para a reorganização do elenco para 2024.
E isso é o suficiente para que o Grupo City – que hoje administra o Bahia – tenha negado de imediato os milhões e milhões oferecidos pelo Palmeiras. O “não” do novo Bahia é um recado claro de um novo tempo. O capital estrageiro investido no clube será um escudo poderoso para proteger jovens talentos que vão surgir – como sempre surgiram. E também para permitir que pilares do time não sejam desfeitos de uma temporada para outra.
A virada de chave do Fortaleza
A continuidade tem um peso gigantesco no futebol. O próprio Palmeiras é um exemplo. E, no Nordeste, o Fortaleza tem ensinado que a estabilidade é o único caminho possível. Neste caso, o Tricolor cearense tem conseguido a “virada de chave” econômica com as próprias pernas, ainda sem a transformação em SAF e a injeção financeira de empresas estrangeiras.
Não por acaso, o anunciado desejo do novo presidente do Santos, Marcelo Teixeira, de ter Juan Pablo Vojvoda como novo treinador do clube foi tratado como delírio na imprensa e nas redes sociais. Uma prova de que o mercado já começa a entender as mudanças em curso.
Enfim, uma nova realidade
Mas, como disse no começo, são ondas “diferentes” de surpresa e – consequentemente – adequação à nova realidade. A aquisição do Bahia pelo Grupo City foi uma notícia, de certa forma, minimizada na cobertura nacional. E isso gerou uma espécie de bolsões de “desinformação” – e que acabaram perdurando com a terrível (e frustrante) campanha do Bahia na Série A. Os mais de R$ 100 milhões investidos na aquisição de reforços em 2023 ecoaram no vazio em parte do país durante meses e só agora com a porta fechada para a proposta do Palmeiras é que voltaram à tona.
Novos tempos. Caminho sem volta. O Bahia transformado em SAF com poderoso aporte estrangeiro e o Fortaleza com anos de estabilidade administrativa convertida em lastro financeiro começam a viver e a se relacionar em uma nova escala de poder no mercado do futebol brasileiro.
E todos nós sabemos – desde sempre – o quanto o gramado reflete estas escalas de poder econômico. Estar do lado mais fraco (ou antes mais fraco) da corda nunca nos permitiu viver em “bolsões de desinformação”. No Nordeste aprendemos cedo a diferença que as cotas, os patrocínios e o lastro nas negociações fazem.