Fora de Campo

‘Nenhum arrependimento’, diz Pyae Lyan Aung, ex-jogador birmanês refugiado no Japão

<p>Pyae Lyan Aung, ex-jogador birmanês refugiado no Japão (Foto: Philip Fong/AFP)</p>

Pyae Lyan Aung, ex-jogador birmanês refugiado no Japão (Foto: Philip Fong/AFP)

Há dois anos, ele fez um gesto de protesto contra a junta militar de seu país: Pyae Lyan Aung, que teme por sua segurança caso retorne a Mianmar, exilou-se no Japão e abandonou sua carreira de jogador, mas não tem “nenhum arrependimento” pelo gesto.

O ex-goleiro da seleção birmanesa mora no arquipélago nipônico desde que, em maio de 2021, durante uma partida eliminatória no Japão para a Copa do Mundo do Catar, fez uma saudação com três dedos, um sinal dos opositores à junta no poder de Mianmar desde o golpe de Estado de fevereiro de 2021.

Temendo represálias em caso de retorno ao seu país, recusou-se a subir no avião depois da partida, e meses depois obteve o status de refugiado no Japão.

As duas seleções voltaram a se enfrentar nesta quinta-feira (16) em Osaka (vitória de 5 a 0 para o Japão), em um partida da fase de classificação para a Copa do Mundo de 2026, mas Pyae Lyan Aung, de 27 anos, agora está aposentado como jogador e segue sem poder voltar ao seu país com sua família.

Mas diz não ter “nenhum arrependimento” pelo seu gesto político. “Todo mundo quer ser jogador de alto nível, mas esse sacrifício não é nada comparado ao que acontece no país”, explica à AFP.

“Não posso aceitar esse golpe de Estado injusto e acredito ter feito o que tinha que fazer como cidadão”.

Protestar, mesmo sozinho

Vários jogadores de sua equipe boicotaram a partida, em sinal de protesto contra o golpe em Mianmar que depôs o governo democraticamente eleito de Aung San Suu Kyi, e contra a repressão que se seguiu ao golpe.

Dezenas de manifestantes reuniram-se diante do estádio antes do início do jogo, com retratos dos ex-dirigentes e mostrando fotos do levante de 1988 contra a junta birmanesa.

Pyae Lyan Aung foi gravado pelas câmeras de televisão fazendo a saudação com os três dedos, inspirado pelos filmes da franquia “Jogos Vorazes”.

Ele e outros membros da seleção birmanesa haviam decidido protestar de maneira conjunta, mas seus companheiros desistiram no final, dissuadidos por membros da direção da equipe e temendo “que as coisas ficassem ruim para eles e suas famílias no retorno ao país”, conta.

“Mesmo se ninguém mais o fizesse, eu havia decidido fazer”.

Pyae Lyan Aung confessa ter sofrido para se adaptar no Japão, e por receber notícias sobre a deterioração da situação em seu país natal.

“Não se mobilizaram”

A ele foi oferecido um contrato profissional para jogar futsal em uma equipe de Yokohama (sudoeste de Tóquio), mas pendurou as chuteiras depois de ter disputado apenas uma partida em três meses.

“Eu queria jogar, mas meu coração estava em outro lugar”, disse. “Queria voltar para casa, mas não sabia quando seria possível. Estava muito estressado e não conseguia treinar”.

O ex-atleta ainda joga futebol em algumas ocasiões com o Myanmar FC, uma equipe amadora formada por expatriados, mas sua paixão pelo jogo não voltou.

Não tinha intenção de ver a partida de quinta-feira nem mesmo vontade de apoiar sua seleção nacional, “o tipo de pessoas que não se mobilizaram enquanto civis inocentes eram massacrados no país”.

Há alguns meses, trabalha em um restaurante birmanês em Tóquio, cujos muros estão decorados com fotos de Aung San Suu Kyi e com mensagens de apoio dos clientes. Os lucros servem para ajudar grupos pró-democracia em seu país.

Pyae Lyan Aung agora diz estar melhor adaptado ao Japão, mas não esperava ficar tanto tempo. Seu maior desejo é que o mundo inteiro saiba o que ocorre em seu país.

“Mianmar realmente necessita de ajuda neste momento”, alega. “Muitos civis inocentes são assassinados”.

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